Antes de Copiar, Entenda: os Limites Legais do Copy Trade e da Automação no Mercado Financeiro Com o crescimento do uso de tecnologia no mercado financeiro, especialmente com o avanço de soluções como Copy Trade, robôs de investimento e plataformas automatizadas, investidores e empresas têm se deparado com um cenário promissor, mas também repleto de riscos regulatórios. É fundamental compreender que, embora essas ferramentas tragam eficiência e acesso a estratégias sofisticadas, a sua utilização encontra limites legais bem definidos pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Este artigo oferece uma visão objetiva sobre as categorias de automação existentes, seus enquadramentos regulatórios e os cuidados exigidos para evitar responsabilidades civis, administrativas e até penais. 1. O que é Copy Trade? O Copy Trade é uma forma de automação que permite a replicação automática de ordens realizadas por outro investidor ou gestor, supostamente mais experiente e em tempo real. Na prática, o investidor delega a terceiros a condução de sua estratégia, sem necessariamente compreender os riscos envolvidos nas operações. Embora seja apresentado como uma solução acessível e "inteligente”, o Copy Trade pode configurar gestão de carteira ou consultoria de valores mobiliários. Ambas as atividades são privativas de profissionais autorizados pela CVM e não podem ser exercidas livremente por indivíduos ou plataformas sem registro. 2. Entenda a Automação — E Por Que Estar Certificado Nem Sempre Te Deixa Dentro da Lei Com o avanço das tecnologias no mercado financeiro, muitos profissionais buscaram certificações respeitáveis como CNPI, CGA, CFP ou CPA-20 para atuar de forma regular e técnica. No entanto, o que poucos percebem é que a certificação individual, por si só, não legitima todas as formas de atuação com produtos automatizados. A CVM não regula apenas o profissional, mas o serviço prestado, o modelo de negócio e a autonomia concedida ao investidor. Isso significa que, mesmo com um certificado válido e registro ativo, o profissional pode incorrer em atividade irregular se oferecer produtos ou serviços que exijam outro tipo de autorização. A seguir, as principais formas de automação e os cuidados exigidos: a) Robôs Consultores (Advisors) São algoritmos que sugerem carteiras de ativos com base no perfil do cliente. Não executam ordens automaticamente, mas a recomendação individualizada de investimentos, o que configura consultoria de valores mobiliários — atividade que depende de registro específico na CVM, nos termos da Resolução CVM nº 19/2021. Mas há exceções importantes Existem exceções expressas. A atividade não será considerada consultoria de valores mobiliários nas seguintes hipóteses (art. 1º, §2º): - Planejadores financeiros, cuja atuação se restrinja a planejamento sucessório, previdência ou organização patrimonial, desde que não envolvam recomendações de valores mobiliários;
- Elaboração de relatórios gerenciais, apenas para fins de controle ou prestação de contas, sem orientação de investimento;
- Consultores especializados em outros mercados, como fundos de direitos creditórios (FIDCs) ou fundos imobiliários, quando atuando fora do escopo do mercado de capitais regulado.
A linha é tênue — e exige cautela jurídica Assim, um planejador financeiro ou educador que oferece simulações genéricas, sem indicar valores mobiliários específicos e sem personalização, pode estar fora do alcance da Resolução CVM nº 19/2021. Porém, basta que personalize a recomendação, mesmo que por algoritmo, para que a atividade passe a ser regulada, exigindo registro formal e sujeição ao regime de responsabilidade da CVM. Portanto, é de suma importância a avaliação prévia por uma equipe jurídica especializada, sobretudo nos casos em que o modelo de negócio se posiciona na fronteira entre educação financeira e recomendação de investimentos. Um erro de classificação pode implicar sanções administrativas, proibição de atuação e até responsabilização pessoal e criminal do profissional envolvido. b) Robôs Gestores (Robo-Advisors com execução automática) Diferentemente dos robôs consultores, os robôs gestores não apenas recomendam uma carteira: eles executam automaticamente as ordens de compra, venda e rebalanceamento, operando diretamente na conta do investidor, de forma contínua e sem intervenção humana posterior. Isso configura administração de carteiras, sendo necessário registro como gestor autorizado, comumente exigindo a certificação CGA, conforme a Resolução CVM nº 21/2021. ?? Exemplo: Um analista CNPI que opera um robô com execução automática em contas de clientes está, na prática, gerindo patrimônio alheio — sem a habilitação correta, violará a norma. ? A prática mais recorrente — e a mais crítica Esse modelo de automação é, atualmente, a prática mais recorrente observada no mercado brasileiro, sobretudo no ambiente digital de plataformas de investimento, fintechs e agentes autônomos vinculados a corretoras. Apesar de parecer tecnicamente sofisticado, muitos desses modelos operam à margem da legalidade. O que se vê, na prática, é a substituição da autonomia do investidor por execuções automáticas programadas por terceiros — sem o devido registro como gestor e, muitas vezes, sem a certificação CGA exigida para a atividade. ? Certificação técnica x Enquadramento regulatório Profissionais que detêm certificações como CNPI, CFP ou CPA-20 muitas vezes operam com a convicção de que estão legalmente amparados para implantar robôs com execução automática. No entanto, a CVM exige que esse tipo de operação seja conduzido por gestor com registro — geralmente mediante aprovação na certificação CGA — e por empresa autorizada formalmente a atuar nessa categoria. ? Ou seja: mesmo com certificação técnica e registro na CVM, o profissional ou empresa pode estar exercendo atividade irregular se implementar um robô com execução automática sem o devido enquadramento como administrador de carteiras. A análise dos diferentes tipos de automação deixa claro que não basta estar certificado para atuar dentro da legalidade. O que define a necessidade de registro regulatório junto à CVM não é apenas o título do profissional ou o sistema utilizado, mas sim a natureza do serviço prestado e a forma como ele impacta a autonomia do investidor. Ou seja, mesmo que o agente esteja formalmente registrado e tecnicamente capacitado, ele pode incorrer em atividade irregular se seu modelo de negócio se enquadrar em categoria diferente daquela para a qual foi habilitado. 3. Estratégias Automatizadas: Transparência é Obrigação, Não Opção Mesmo para analistas, gestores, consultores, assessores registrados, a comercialização de estratégias automatizadas exige boas práticas de transparência, conforme a Recomendação CCA. É necessário fornecer ao investidor: - Descrição da metodologia;
- Indicação do analista responsável;
- Riscos envolvidos;
- Fontes de dados e disclaimers;
- Estratégia de gerenciamento de risco;
- Entre outros
É comum que plataformas ou profissionais bem-intencionados desenvolvam soluções tecnológicas inovadoras sem perceber que estão assumindo obrigações regulatórias equivalentes às de um consultor, analista ou gestor formalmente registrados. E é exatamente nesse ponto que muitas iniciativas, mesmo sofisticadas, se tornam vulneráveis do ponto de vista jurídico-regulatório. A clareza na comunicação, a documentação adequada e o respeito aos limites da atuação autorizada são medidas que não apenas reduzem o risco de autuação pela CVM, mas também mitigam responsabilidades civis e criminais, preservando a credibilidade do negócio. Por isso, é recomendável que projetos envolvendo estratégias automatizadas passem por avaliação jurídica preventiva, com análise técnica do modelo de atuação, do fluxo de comunicação com o investidor e da aderência regulatória do serviço prestado. Em um ambiente regulado como o mercado de capitais, a conformidade é um diferencial competitivo — e uma salvaguarda contra passivos inesperados. A automação no mercado de capitais pode representar ganho de escala, eficiência e acesso a estratégias sofisticadas — desde que respeitados os limites regulatórios e contratuais que regem as relações de investimento. Por isso, tanto investidores quanto empresas e profissionais que atuam com ferramentas automatizadas devem adotar uma postura preventiva e bem-informada, como forma de evitar riscos que podem ser substanciais. 4. Considerações Finais: Entre a Oportunidade e o Risco, Está a Responsabilidade A automação e o uso de algoritmos no mercado de capitais não são tendências — são realidades consolidadas. Copy trade, robôs de ordens, consultores automatizados e execução algorítmica representam avanços tecnológicos significativos, capazes de democratizar o acesso ao investimento e elevar o nível de sofisticação das estratégias oferecidas. Mas toda inovação carrega consigo obrigações regulatórias, deveres de transparência e limites legais que não podem ser ignorados. Empresas que operam fora desses limites — ainda que por desconhecimento — correm riscos concretos: interrupção judicial ou regulatória das atividades, perda de reputação, responsabilização solidária e prejuízos milionários. Investidores, por sua vez, ao delegarem decisões de forma cega ou informal, se expõem a riscos patrimoniais e à perda do controle sobre sua própria carteira, muitas vezes sem perceber que o "atendimento proativo” que recebem configura, na verdade, uma gestão irregular e ilegal. Empresas que inovam no mercado financeiro devem assegurar que seus modelos estejam alinhados às exigências jurídicas e regulatórias aplicáveis. Investidores bem-informados compreendem que retorno consistente só é sustentável quando acompanhado de transparência, controle e conformidade. Portanto, em um ambiente regulado como o mercado de capitais, a legalidade do modelo de negócio não é um detalhe: é um pilar. MARCOS VINICIUS SILVA CARDOSO, é advogado e sócio no escritório Cardoso & Zaniboni Sociedade de Advogados, especialista e mestre em direito em Sociedade da Informação (FMU), Ex-CEO da Mithra Research — casa de análise registrada na CVM —, é especialista em litígios complexos envolvendo o mercado financeiro, direito bancário e regulação de investimentos. |