A engrenagem invisível por trás dos golpes internacionais Fraudes envolvendo investimentos em CFD (Contratos por Diferença) e Forex (mercado de câmbio estrangeiro) vêm se multiplicando no Brasil — e, apesar do discurso de combate, parte da engrenagem que viabiliza esses esquemas continua protegida pela invisibilidade regulatória ou pela omissão na responsabilização: AS FACILITADORAS DE PAGAMENTO. Essas instituições — muitas vezes devidamente regulamentadas no Brasil como instituições de pagamento ou subcredenciadoras — operam contas de intermediação, processam PIX, boletos, e até mesmo operações de câmbio, funcionando como o principal canal de entrada e saída dos recursos dos investidores brasileiros vítimas de golpe. A CVM, no Alerta de 2024, foi clara: essas operações são ilegais, configuram crime e expõem o investidor a riscos estruturais — inclusive a impossibilidade de reaver os valores. A estrutura do golpe e o papel da facilitadora. O fluxo de recursos segue um mesmo padrão, vejamos: 1. O investidor abre uma conta gráfica em uma entidade irregular estrangeira; 2. A entidade indica o uso de facilitadoras de pagamento (eFX) para depósito dos valores, geralmente via PIX; 3. A eFX mantém contas em bancos no Brasil, realizando operações de cash in/out e câmbio, redirecionando o dinheiro a instituições financeiras offshore e "Money Service Transfers” no exterior; 4. A partir daí, o valor é creditado à corretora estrangeira (ilegal) que opera Forex ou CFD. As facilitadoras, portanto, não apenas processam, mas estruturam e viabilizam a operação. Sem elas, o esquema não se consumaria. Responsabilidade solidária das facilitadoras: fortuito interno A jurisprudência majoritária reconhece que a cadeia de consumo se estende a todos aqueles que concorrem para a concretização do serviço defeituoso, ou seja, todos os participantes da cadeia respondem solidariamente pelos danos causados ao consumidor/investidor. No caso das facilitadoras, é impossível ignorar que: • São instituições nacionais, sujeitas à fiscalização; • Atuam como intermediadoras de pagamentos em favor de empresas sabidamente não autorizadas; • Possuem meios técnicos para identificar e bloquear operações atípicas, especialmente quando vinculadas a ofertas públicas irregulares denunciadas pela CVM. A eventual alegação de que tais empresas apenas "prestam serviço de meio” não afasta a responsabilidade, especialmente quando inseridas em cadeia fraudulenta estruturada. A ilusão da legalidade: a operação como "serviço regular" Outro aspecto preocupante é a narrativa de legitimidade que algumas dessas empresas constroem: embora operem em conformidade com o marco legal de instituições de pagamento, possuem plena ciência da destinação dos recursos e do uso reiterado de suas plataformas por fraudadores estrangeiros. O alerta da CVM é inequívoco: "a disponibilização desse tipo de facilidade [PIX, boleto, carteiras virtuais] é um dos elementos que a CVM analisa para verificar se está ocorrendo oferta direcionada aos investidores residentes no Brasil”. Portanto, trata-se de fortuito interno, ou seja, de risco próprio da atividade econômica exercida pela facilitadora — e não de evento imprevisível ou inevitável. A blindagem das grandes operadoras O mais alarmante, contudo, é a existência de grandes plataformas com atuação nacional, que não possuem qualquer autorização da CVM ou do Banco Central para intermediar valores mobiliários, mas ainda assim recebem proteção implícita por parte de outras instituições do sistema, inclusive pelas facilitadoras de pagamento que lhes prestam serviços de forma reiterada. Esse contexto impõe a necessidade de responsabilização civil, administrativa e até criminal das facilitadoras, na medida em que: Têm ciência do serviço prestado; Recebem comissões pelo volume transacionado; Operam contas em nome de entidades claramente irregulares; Alavancam lucros com base na operação fraudulenta. Mesmo diante de estruturas sofisticadas, a responsabilização dos elos nacionais pode devolver ao investidor a perspectiva de reparação É compreensível que muitos investidores, ao se verem lesados por plataformas sediadas no exterior, sintam que não há caminhos viáveis para recuperar seus recursos. A distância, a falta de regulamentação e o desaparecimento dos operadores parecem tornar qualquer tentativa ineficaz. Entretanto, a responsabilização não se limita aos fraudadores diretos. Há um elo muitas vezes negligenciado, mas essencial para a consumação do golpe: as instituições que processam os pagamentos. Essas facilitadoras, operando sob autorização nacional, viabilizam tecnicamente a entrada e saída de valores e, conforme demonstrado pela própria CVM, atuam na engrenagem da estrutura fraudulenta. Quando essas empresas deixam de agir com a diligência esperada — especialmente diante de sinais claros de irregularidade — abre-se uma via legítima de responsabilização civil e reparação dos danos sofridos. O sistema jurídico brasileiro prevê a responsabilidade solidária de todos aqueles que contribuem, ainda que indiretamente, para o dano causado ao consumidor. Assim, em vez de resignar-se à perda, o investidor pode encontrar respaldo nas normas de proteção ao consumidor e na jurisprudência consolidada sobre o tema. Mas identificar essa possibilidade não basta. É fundamental que os fatos sejam cuidadosamente analisados e bem articulados dentro de uma estratégia jurídica que compreenda a complexidade do mercado financeiro, das normas regulatórias e da lógica de responsabilização solidária. Não se trata apenas de alegar prejuízo: é preciso montar, com precisão, o quebra-cabeça que revela a responsabilidade de cada agente envolvido. Por isso, a atuação de profissionais com experiência específica nesse tipo de litígio — voltado à responsabilização de intermediários nacionais por fraudes transnacionais — torna-se decisiva. A análise dos documentos, dos fluxos financeiros, das permissões regulatórias e da jurisprudência aplicável exige conhecimento técnico, foco no mercado e sensibilidade para conduzir o caso com a seriedade que o tema impõe. Patricia de Carvalho Zaniboni, a advogada e sócia no escritório Cardoso & Zaniboni Sociedade de Advogados, Certificada pela ANCORD (Associação Nacional das Corretoras de Valores) — é especialista em litígios complexos envolvendo o mercado financeiro, direito bancário e regulação de investimentos. |