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O QUE MUDA PARA OS FIDC COM O OFÍCIO-CIRCULAR Nº 8/2025/CVM/SSE

 
O QUE MUDA PARA OS FIDC COM O OFÍCIO-CIRCULAR Nº 8/2025/CVM/SSE


A Comissão de Valores Mobiliários publicou hoje, 17 de novembro de 2025, o Ofício-Circular nº 8/2025/CVM/SSE, endereçado aos administradores, gestores e custodiantes de Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC). Este documento surge em um momento crucial, após a entrada em vigor da Resolução CVM nº 175, de 23 de dezembro de 2022, que representou um marco regulatório significativo para a indústria de fundos de investimento no Brasil. A nova resolução, ao consolidar e modernizar a regulamentação, trouxe consigo a necessidade de esclarecimentos pontuais e orientações adicionais para garantir sua correta aplicação e interpretação.

O Ofício-Circular em questão tem como objetivos preliminares da CVM: (i) uniformizar o entendimento sobre certas disposições da RCVM 175, especialmente no que tange aos FIDC; (ii) mitigar riscos operacionais e de mercado que poderiam surgir de interpretações divergentes; e (iii) fortalecer a proteção aos investidores, garantindo maior transparência e segurança nas operações com direitos creditórios. 

A iniciativa da autarquia reguladora reflete a complexidade inerente aos FIDC e a importância de uma supervisão contínua para a saúde do mercado de capitais.

A regulamentação dos FIDC, por sua natureza, exige um arcabouço normativo robusto e dinâmico, capaz de se adaptar às inovações do mercado e aos desafios que surgem. A RCVM 175, ao introduzir novas regras e conceitos, gerou dúvidas e a necessidade de posicionamentos claros por parte da CVM. O Ofício-Circular nº 8/2025/CVM/SSE, portanto, não é apenas um documento informativo, mas uma ferramenta regulatória que visa aprimorar a aplicação da norma principal.

Ao delimitar entendimentos e oferecer diretrizes específicas, a CVM busca evitar práticas que possam comprometer a integridade dos FIDC e, consequentemente, a confiança dos investidores. Este artigo se propõe a analisar os principais pontos abordados pelo Ofício-Circular, destacando as mudanças e os impactos para os participantes do mercado, com um olhar crítico sobre as soluções propostas e as lacunas que ainda persistem.

1. O QUE É UM OFÍCIO-CIRCULAR E QUAL SUA FORÇA NORMATIVA?

Um Ofício-Circular, no contexto regulatório da CVM, é um documento de caráter orientativo e informativo, emitido para comunicar aos participantes do mercado sobre interpretações de normas existentes, procedimentos a serem adotados ou esclarecimentos sobre temas específicos. Sua natureza é distinta de outros atos normativos, como as Resoluções e as Instruções. Enquanto as Resoluções estabelecem normas gerais e abstratas com força de lei, e as Instruções detalham procedimentos e requisitos para a aplicação dessas normas, o Ofício-Circular atua como um guia interpretativo, sem criar obrigações ou direitos que não estejam previstos na regulamentação principal.

Apesar de não possuir o mesmo poder normativo de uma Resolução, o Ofício-Circular desempenha um papel fundamental na uniformização de condutas e na prevenção de infrações. Para administradores, gestores e custodiantes de FIDC, ele serve a quatro funções essenciais: (i) orientação sobre a correta aplicação da RCVM 175; (ii) prevenção de erros e inconsistências na gestão dos fundos; (iii) mitigação de riscos regulatórios e operacionais; e (iv) padronização de práticas de mercado, promovendo um ambiente mais equitativo e transparente.

Para os investidores e cotistas, a relevância de um Ofício-Circular reside em quatro razões principais: (i) maior clareza sobre as regras que regem seus investimentos; (ii) redução da assimetria de informação, uma vez que as interpretações da CVM são tornadas públicas; (iii) fortalecimento da proteção, pois as orientações visam aprimorar a governança e a gestão dos fundos; e (iv) aumento da confiança no mercado, ao demonstrar a atuação proativa da autarquia na supervisão e no aprimoramento regulatório.

O Ofício-Circular nº 8/2025/CVM/SSE, portanto, embora não altere a RCVM 175, complementa-a, fornecendo a visão oficial da CVM sobre pontos sensíveis e controversos. Ignorar suas diretrizes pode expor os participantes do mercado a riscos de não conformidade e a possíveis sanções, uma vez que ele reflete o entendimento da CVM sobre o que se espera dos regulados.

2. FOCO DO ARTIGO: AS PROBLEMÁTICAS DOS FIDC E OS ESCLARECIMENTOS DA CVM

2.1 Verificação de Lastro: Responsabilidade do Gestor

A diligência na verificação do lastro dos direitos creditórios é um pilar fundamental para a segurança e a integridade dos FIDC. O Ofício-Circular nº 8/2025/CVM/SSE aborda a responsabilidade do gestor nesse processo, um tema que gerava incertezas. A RCVM 175, em seu Anexo Normativo II, art. 36, estabelece que a verificação da existência e da validade dos direitos creditórios é de responsabilidade do gestor, mas a redação original permitia uma margem de interpretação que poderia diluir essa responsabilidade.

O problema identificado residia na possibilidade de o gestor se eximir de sua responsabilidade ao alegar que a verificação foi realizada por terceiros, ou que a documentação apresentada pelo cedente era suficiente, sem uma análise aprofundada. O Ofício-Circular corrige essa distorção ao esclarecer que a responsabilidade do gestor é indelegável e substancial. Ele detalha que a verificação deve ser ativa e contínua, não se limitando à mera conferência formal de documentos. As alíneas "a” e "b” do item 10 do Ofício reforçam que o gestor deve implementar procedimentos robustos de due diligence, incluindo a análise da origem, da natureza e da exigibilidade dos direitos creditórios, bem como a capacidade do cedente de honrar suas obrigações.
Contudo, o item 10 do Ofício, ao mesmo tempo em que reforça a responsabilidade, ainda concede uma certa margem de discricionariedade ao gestor na definição dos "procedimentos razoáveis” para a verificação. Esta discricionariedade, embora necessária para a adaptabilidade a diferentes tipos de direitos creditórios, pode gerar três riscos: (i) disparidade de padrões entre diferentes gestores, levando a níveis variados de proteção; (ii) retrojustificativa de falhas, onde procedimentos insuficientes podem ser justificados a posteriori como "razoáveis” no contexto da época; e (iii) fragilidade probatória, dificultando a responsabilização do gestor em caso de problemas com o lastro. A crítica final reside na falta de parâmetros objetivos mais detalhados para a avaliação da razoabilidade dos procedimentos, o que poderia fortalecer ainda mais a segurança dos FIDC.

2.2 FIDC para Investidores Profissionais: Repasse em Conta do Cedente

Outro ponto de esclarecimento relevante do Ofício-Circular diz respeito à possibilidade de o repasse dos valores dos direitos creditórios ocorrer diretamente na conta do cedente, mesmo em FIDC destinados a investidores profissionais. A RCVM 175, em seu art. 52, III, e o Anexo Normativo II, art. 32, §2º, estabelecem regras para a liquidação dos direitos creditórios, visando a segregação patrimonial e a proteção do FIDC. A prática de repasse direto na conta do cedente, embora comum em algumas operações, gerava dúvidas sobre sua conformidade com a segregação patrimonial.

O Ofício esclarece que, para FIDC destinados exclusivamente a investidores profissionais, é permitida a liquidação dos direitos creditórios diretamente na conta do cedente, desde que haja mecanismos de controle e monitoramento robustos que garantam a efetiva destinação dos recursos ao FIDC. O problema que o Ofício resolve é a rigidez interpretativa que impedia essa prática, mesmo em operações com contrapartes sofisticadas e com estruturas de controle adequadas. A CVM reconhece a flexibilidade necessária para certas operações, desde que a segurança do FIDC não seja comprometida.

No entanto, o risco ao cotista permanece e merece uma análise crítica. Embora a CVM exija mecanismos de controle, a liquidação direta na conta do cedente introduz uma etapa adicional de risco operacional e de crédito. A dependência da boa-fé e da eficiência do cedente para o repasse ao FIDC expõe o cotista a potenciais desvios ou atrasos, mesmo com os controles. A fiscalização desses controles e a efetividade das garantias em caso de falha do cedente são pontos cruciais que demandam atenção redobrada por parte do gestor e do administrador, e uma análise aprofundada por parte do investidor profissional. A transparência sobre esses mecanismos de controle e os riscos associados deve ser máxima.

2.3 Recebimento de Garantias e Desenquadramento Passivo

A questão do recebimento de garantias e o tratamento do desenquadramento passivo é outro tópico de grande importância abordado pelo Ofício-Circular. A RCVM 175, em seu Anexo Normativo II, art. 41, trata das garantias e da necessidade de sua formalização. O Ofício-Circular fornece orientação clara sobre como os FIDC devem proceder ao receber garantias adicionais ou ao lidar com situações de desenquadramento passivo.

O conceito de desenquadramento passivo refere-se a uma situação em que o FIDC, por eventos alheios à sua gestão ativa (como a desvalorização de um ativo ou a inadimplência de um direito creditório), deixa de cumprir os limites ou as condições estabelecidas em seu regulamento ou na regulamentação. O Ofício esclarece que, em tais casos, o gestor deve adotar as medidas necessárias para o reenquadramento do fundo no menor prazo possível, priorizando a proteção dos cotistas.

O problema que o Ofício resolve é a ambiguidade sobre a atuação do gestor e do administrador em cenários de desenquadramento passivo, especialmente no que tange à exigência e formalização de garantias. A CVM reforça a necessidade de que as garantias sejam formalizadas em nome do FIDC, garantindo que o fundo tenha acesso direto e prioritário a elas em caso de execução. Isso evita que as garantias sejam desviadas ou que sua execução seja dificultada por questões burocráticas ou legais. A orientação visa fortalecer a segurança dos ativos do FIDC e a capacidade de recuperação em caso de perdas.

2.4 FIDC Pode Investir em Cotas de Outros FIDC do Mesmo Gestor?

A possibilidade de um FIDC investir em cotas de outros FIDC geridos pela mesma instituição é um tema que levanta questões sobre conflito de interesses e independência. O Ofício-Circular nº 8/2025/CVM/SSE oferece um esclarecimento técnico sobre a interpretação do art. 42 do Anexo Normativo II da RCVM 175, que trata dos ativos que podem compor a carteira de um FIDC.

A CVM interpreta que as cotas de outros FIDC podem ser consideradas direitos creditórios por equiparação, desde que atendam a certas condições e que a estrutura não configure uma burla à regulamentação. Essa interpretação abre caminho para as chamadas estruturas master-feeder, onde um FIDC "feeder” investe em cotas de um FIDC "master”, permitindo a otimização de custos e a especialização da gestão.

No entanto, a permissão para que um FIDC invista em cotas de outro FIDC do mesmo gestor levanta uma crítica quanto à independência e à exposição cruzada. Embora a CVM exija a divulgação de potenciais conflitos de interesse, a decisão de investir em um fundo "irmão” pode ser influenciada por interesses da gestora, e não exclusivamente pelo melhor interesse do cotista. A exposição cruzada, onde um problema em um fundo pode afetar o outro, também é uma preocupação. A recomendação ao cotista é que analise com extrema cautela essas estruturas, compreendendo os riscos de concentração e os potenciais conflitos de interesse, e exigindo total transparência sobre as políticas de investimento e os mecanismos de governança que visam mitigar esses riscos.

3. CONCLUSÃO – GOVERNANÇA REFORÇADA, MAS AINDA COM ZONAS CINZENTAS: CRÍTICAS E SOLUÇÕES

O Ofício-Circular nº 8/2025/CVM/SSE representa um avanço significativo na clarificação e no aprimoramento da regulamentação dos FIDC sob a égide da RCVM 175. Os avanços do Ofício são notáveis na uniformização de entendimentos, no reforço da responsabilidade do gestor na verificação de lastro, na flexibilização controlada para FIDC de investidores profissionais e na formalização de garantias. Essas medidas contribuem para uma maior segurança jurídica e para a proteção dos investidores, demonstrando a proatividade da CVM em adaptar a regulamentação às dinâmicas do mercado.
Contudo, apesar dos avanços, o documento ainda apresenta quatro fragilidades que permanecem e que merecem atenção: (i) a discricionariedade excessiva na definição dos "procedimentos razoáveis” para a verificação de lastro, que pode levar a padrões inconsistentes; (ii) o risco residual na liquidação direta em conta do cedente, mesmo para investidores profissionais, que exige vigilância constante; (iii) a complexidade inerente às estruturas master-feeder com o mesmo gestor, que demanda uma análise aprofundada dos conflitos de interesse; e (iv) a ausência de parâmetros mais objetivos em certas diretrizes, que poderia fortalecer ainda mais a governança.

A reflexão sobre o papel da CVM e a responsabilidade do investidor é crucial. Enquanto a CVM cumpre seu papel de regulador e supervisor, buscando equilibrar a proteção do mercado com a inovação, o investidor, especialmente o profissional, tem a responsabilidade de exercer sua diligência, compreendendo os riscos e exigindo transparência. A boa governança não é apenas uma imposição regulatória, mas uma cultura que deve ser cultivada por todos os participantes do mercado.

Em última análise, o Ofício-Circular nº 8/2025/CVM/SSE é um passo importante na direção de uma boa governança nos FIDC. Ele reforça a necessidade de transparência, responsabilidade e diligência, mas também sinaliza que a jornada para um mercado de FIDC totalmente robusto e sem ambiguidades é contínua. A CVM, ao emitir tais esclarecimentos, convida o mercado a um diálogo constante e a uma busca incessante pela excelência na gestão e supervisão desses importantes veículos de investimento.


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